12 de fevereiro de 2015

Os americanos e a base das Lajes

Curiosamente, não vemos ninguém preocupado com a exiguidade (sempre a diminuir…), de meios militares portugueses no(s) arquipélago(s) e na necessidade urgente de inverter a situação.

A operação das forças militares americanas na base aérea das Lajes há muito que merecia um livro.

Muito resumidamente, foi assim:

A apetência dos EUA pelos Açores (e Cabo Verde) recua à Guerra Hispano-Americana, de 1898, que marca o início do imperialismoyankee fora do continente americano, o que nunca mais parou até hoje.

Prolongou-se na I Guerra Mundial, com a ameaça submarina alemã e a visita do futuro Presidente Roosevelt (na altura subsecretário de Estado da Marinha), em 1918, e firmou-se na II Guerra Mundial, por causa da ameaça naval alemã – podia ter sido aero-naval, caso a Alemanha tivesse intentado e conseguido ocupar aquele arquipélago e também o da Madeira.

Mas quem, de facto, pensou ocupar os Açores – considerados como uma fronteira avançada de defesa da América – foram os próprios americanos, que chegaram a preparar uma invasão e ocupação do território, em Jul/Ago de 1941 (Operação Life Buey, comandada pelo brig. gen. Holland Smith).

Acontece que o Governo Português da altura – estrénuo defensor dos interesses portugueses – tinha reforçado os Açores com 25.000 homens e alguns meios aéreos e navais, dispondo-se a garantir a neutralidade proclamada, mesmo com o uso da força. Os americanos fizeram um cálculo do risco e das baixas e hesitaram.


Mais experientes do que os seus amigos do outro lado do Atlântico, a diplomacia inglesa, valendo-se do especial relacionamento que tem connosco, desde 1373, veio tentar acalmar os ânimos e negociar uma solução adequada, até porque o Governo português, num gesto habilíssimo, ameaçou invocar a Velha Aliança em caso de ataque americano…

Destas negociações que foram duras e demoradas resultou a ida dos ingleses para as Lajes e, mais tarde, a dos americanos para Santa Maria, com a condição de no fim da guerra saírem, deixarem-nos todas as instalações, garantirem a soberania portuguesa em todos os territórios ultramarinos e, ainda, a garantia que Timor-Leste – ocupado pelos japoneses – voltaria para Portugal e que forças portuguesas participariam na libertação do território. Tudo foi cumprido.

Em 1948 (ano anterior ao estabelecimento da OTAN) os EUA solicitaram facilidades de operação na Base Aérea n.º 4, nas Lajes, o que foi concedido, até hoje. A base das Lajes pertence à Força Aérea Portuguesa.

Deste modo estabeleceu-se um destacamento da Marinha dos EUA – que operavam os aviões – outro da USAF – que operavam os meios de apoio terrestre – e do Exército Americano , que operavam as lanchas e equipamento portuário…

E como o Governo de Lisboa, da altura, não brincava em serviço e não deixava que estrangeiros nos ditassem leis, logo acordou com Washington um conjunto de condições que, além de não comprometerem minimamente a soberania nacional, tornavam os EUA completamente devedores de Portugal, pois não pagavam um dólar por lá estarem. Tal facto devia-se a que a lógica política de então defendia, por ex., que nenhum pedaço de território nacional podia ser alugado…

Foi criado um Comando Aéreo Português, cujo comandante seria sempre mais antigo do que o oficial americano mais graduado e, até, a bandeira americana não estava autorizada (creio que ainda não está) a tocar o solo pátrio, ficando, simbolicamente, assente num bloco de pedra para o efeito concebido.

Marcello Caetano, que sucedeu a Salazar na chefia do Governo, mudou a postura portuguesa para com os EUA, relativamente às Lajes, negociando contrapartidas materiais pela presença americana, o que se podia consubstanciar em ajuda económica directa ao arquipélago, melhoria das condições dos trabalhadores portugueses e, sobretudo, em armamento e equipamento militar, de que as Forças Armadas Portuguesas estavam muito carenciadas devido aos conflitos ultramarinos iniciados em 1961.

Esta nova política acabou por não dar grandes frutos, sofrendo Portugal uma espécie de “ultimato” encapotado, relativamente ao uso indiscriminado da base, no socorro que Washington prestou a Israel na Guerra do Yom Kipur, em 1973.

A importância dos Açores nunca diminuiu para os EUA durante toda a Guerra Fria, por causa do eventual reforço rápido da Europa, da ameaça submarina soviética, além de ser ponto de apoio importante para aviões em rota para o Médio Oriente.

Com a queda do Muro de Berlim, em 1989, e a evolução geopolítica daí decorrente, a melhoria dos armamentos e, ultimamente, a mudança de prioridades de Washington para o Pacífico, a importância conjuntural da base das Lajes perdeu valor relativo para os americanos. Daí a natural mudança do seu dispositivo.

Por isso é lógico que queiram reduzir a sua presença nas Lajes (em 485 pessoas), mas, estamos em crer, jamais a Secretaria de Estado da Defesa dos EUA quererá sair de lá de vez… É claro que esta redução vai constituir um duro golpe na economia da ilha Terceira e levar ao desemprego estimado de 500 trabalhadores portugueses, cujo vínculo se procurava articular com as leis de trabalho nacionais. Mas temos que perceber que os americanos não estão lá pelos nossos lindos olhos e tratam de defender os seus interesses e não os alheios.

Os Açores já tinham sofrido um duro golpe aquando da saída dos franceses da base de rastreio de mísseis, que montaram na ilha das Flores, em 1993, sem que tivesse ocorrido o alarido de agora [1]. Pacífica e gradual foi, também, a saída dos alemães da base de Beja, em 1993. [2]

Por tudo isto não se entende o actual “histerismo” de políticos e sobretudo do Governo Regional dos Açores, à volta deste assunto, revelando uma grande falta de sentido de Estado e em nada contribuindo para um bom desfecho do que está em curso e para as futuras relações com os EUA.

A ameaça velada e pública, sobre a possibilidade da China (ou outros) poder vir a operar no Arquipélago é, a todos os títulos, deplorável. Há coisas que se tratam na circunspecção das chancelarias e não no ruído e demagogia da rua.

Um contrato é um vínculo de interesses comuns, entre duas ou mais partes. Se uma das partes se quiser desvincular, só tem que o fazer negociando tal desiderato em função do que estiver vertido no acordo. Além do mais, este é um assunto de Defesa e Segurança nacionais, tratado Estado a Estado e, por isso, o governo regional deve remeter-se apenas para as suas funções constitucionais. [3]

Nós podemos, eventualmente, gostar mais ou menos da presença americana nas Lajes, mas a decisão da sua diminuição ultrapassa-nos. A não ser que fôssemos nós a querer impor essa redução.

Pode (e eventualmente deve) Lisboa mostrar as suas preocupações; oferecer a sua hospitalidade; apresentar outras propostas de relacionamento bilateral, etc., mas não pode exigir nada relativamente à presença americana na base, a não ser o que está estritamente acordado para o efeito, e ficar com as decisões ora tomadas, em carteira. A algaraviada de exigências propaladas pelos media não passam de ruído ineficaz, apenas explicáveis pela eterna luta partidária.

Temos que estar atentos ao comportamento do FMI e do Banco Mundial, onde os EUA pontificam, cuidar da nossa comunidade emigrante naquele país e ter especial cuidado com a atitude que os americanos irão assumir, na ONU, face à proposta de alargamento da Plataforma Continental, apresentada por Portugal. E, curiosamente, não vemos ninguém preocupado com a exiguidade (sempre a diminuir…), de meios militares portugueses no(s) arquipélago(s) e na necessidade urgente de inverter a situação.

Requerem-se bom senso e clarividência política e estratégica. Uma coisa – além do “saber” – anda, aliás, ligada à outra.


[1] O anúncio da constituição da base foi feito pelo ministro dos NE Franco Nogueira, em 1964, tendo o acordo sido assinado, em 7 de Abril daquele ano, e as suas instalações inauguradas em Outubro de 1966.

[2] O acordo para a utilização da base de Beja (construída de raiz) ocorreu em Dezembro de 1960, mas o primeiro contingente de militares alemães só chegou em 8/8/1966.

[3] A existência de ministros da República, assembleias regionais e governos regionais não encontra qualquer razão de existência, a não ser como mitigação para as loucuras do PREC e, sobretudo, na quantidade de tachos políticos que proporciona – uma despesa enorme sem praticamente qualquer retorno útil. Uma realidade muito difícil de modificar no futuro… Não contentes com isto, forças políticas voltaram recentemente a defender a necessidade de “regionalização”, ideia absolutamente idiota, bacoca e de lesa-Pátria!

JOÃO J. BRANDÃO FERREIRA

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